[marilda mandou um beijo]

marilda

ficar sem ter o que fazer em uma livraria é praticamente impossível. pode até parecer, mas não estamos sempre correndo de um lado para o outro porque somos integrantes de um grupo praticante de corrida alternativa. o negócio é que todo mundo quer ser amado por nós, portanto, freguês amigo, não adianta fazer cara feia quando pedimos "só um instante, por favor" (até porque cara feia só significa que você tem a cara feia). WELL, o ritmo é de bandfolia, carnaval todo dia, mas às vezes, rola uma pausa para falarmos sobre os últimos lançamentos importantes da literatura brasileira contemporânea. e é durante uma dessas pausas, que o freguês gente boa chega sem os freios.

freguês (gritando): TEM AÍ O LIVRO X?

(livreira e livreiro amigo se espantam com TAMANHA delicadeza e ficam sem qualquer tipo de reação)

freguês: TEM?

(livreiro, menos consternado que a livreira, sai para verificar o título em outro terminal. livreira, ainda sem jeito, volta a arrumar a estante de literatura, bem próxima ao moço)

freguês (olhando para o braço da livreira): QUEM É MARILDA, HEIN?


livreira: ma-ril-da, meu senhor?

freguês (pegando no braço da livreira): ESSA TATUAGEM AÍ NO SEU BRAÇO, HEIN? TÁ ESCRITO MARILDA. QUEM É MARILDA?

(às cinco da tarde, tudo o que a livreira aqui menos quer é um freguês desconhecido relando nela. livreira também acha deselegante essa história de ter que falar da sua tatuagem para alguém que nunca viu mais louco)

livreira: ah, é a minha mãe, senhor.

freguês: SUA MÃE??

(minha mãe???)

livreira: é, marilda é o nome da minha mãe. fiz a tatuagem para homenageá-la.

(criatividade mandou lembranças, hillé)

freguês: ...

livreira: ...

freguês: MENINA, E NÃO É QUE MARILDA ERA O NOME DA MINHA PAIXÃO? MAS ELA JÁ VIAJOU.

(mentira?)

livreira: sei...

freguês: AGORA ELA TÁ DESCANSADO, SABE?

(não sei, senhor. queria muito saber como funciona esse lance de descanso. descanso mental, inclusive. o senhor poderia me explicar? um desenho também pode me ajudar. gracias.)

livreira: sei...

manual prático de bons modos em livrarias: recadinho do justin para quem não sabe apreciar o bom silêncio de uma livraria e ~fala demais por não ter nada a dizer~. marilda também mandou um beijo pra essa galera. shhh.

[a princesinha]


véspera do dia das crianças. a mamãe, o papai, o vovô e a titia deixaram para comprar o presente de última hora? LÓGICO. e o livreiro vai ter ouvir um monte por não ter aquele livro ou outro? evidente. então o negócio é mandar o cavaco chorar e seguir atendendo a freguesia com aquele sorriso bonito de sastisfação.

freguesa: moça, vocês vendem diário para  menina?

(~diário para menina~)

livreira: não, a gente não comercializa diários, mas temos alguns cadernos e a garota pode usar como diário. quer dar uma olhada?

freguesa: pode ser.

(livreira leva a freguesa até o setor de papelaria e o cavaco começa chorar)

freguesa: moça, mas não tem nada pra menina aqui.

(ai, moça, menina não gosta só de rosa, vamos combinar?)

livreira: olha, tem esse aqui do 'pequeno príncipe', o que você acha?

freguesa: MAS EU JÁ DISSE QUE É PARA UMA MENINA.

(livreira puxa da memória aquele exercício de respiração que aprendeu ontem no youtube e começa a colocar em prática)

livreira: então, mas é 'o pequeno príncipe'... ele é um personagem querido por todo tipo de gente. é a história de (um et que foi devorado por uma cobra).

(livreira é interrompida pela freguesa)

freguesa (meio que bufando): bem que poderia ter a versão para meninas, né?

(uma letra para resumir o atendimento: Z)

freguesa: "a pequena princesa" seria o ideal. deixa moça, não vou levar nada não. 

manual prático de bons modos em livrarias: Z.

[vou de sedan]

(causo telefônico)

livreira: livraria xzyzaff, bom dia.

freguês: oi, bom dia. você pode ver se tem um livro aí na loja de vocês?

(UM? tô olhando aqui ao meu redor e tem vários, viu)

livreira: sim, e qual seria?

freguês: ah, é um livro pequeno, de um fotógrafo famoso... ele ficava aí perto do balcão do caixa.

(assim é fácil, mio chapa)

livreira: e o senhor sabe o nome do fotógrafo famoso?

freguês: não, não lembro... mas lembro que ele tinha um SEDAN na capa.

(um sedan: guardem essa informação. livreira tenta lembrar das últimas coisas que ficaram expostas no caixa - porque, né, decorar tudo o que já ficou em destaque na livraria é uma das nossas atividades complementares -, mas não lembra de ter visto NA VIDA um livro que tivesse um sedan na capa)

livreira (consultando amigo livreiro): vem cá, você lembra de algum livro de fotografia com um sedan na capa?

amigo livreiro: sedan?

(é, me abraça)

livreira: é, o cliente tá no telefone falando que viu um livro no balcão do caixa e que ele tinha um sedan na capa.

(amigo livreiro vai até o setor de fotografia e volta com a joia)

livreiro: olha, confirma lá com ele, acho que você está entendendo errado.

(sim, a livreira estava realmente entendendo errado. o freguês pediu um livro de fotografia com uma 'afegã na capa', mas a livreira, graças ao calor/caos/loucura pré-natal, entendeu 'sedan'. FUÉN)

manual prático de bons modos em livrarias: o delírio, ele é contagioso. protejam-se. 

[zzzZZZzz]



às vezes cansa, mas quarta-feira cansa mais. "tem descarga pra caneta?", "não, senhora, não vendemos carga para caneta". pois é. daí o freguês entra na livraria e começa a observar os livros em destaque na bancada de lançamentos. ele olha, olha, coça a cabeça, pega um, pega outro e, de repente, pega um título que desperta a sua atenção e vai até o livreiro amigo:

freguês: vem cá, você teria algum exemplar desse livro aqui que não tivesse sido manuseado por MÃOS HUMANAS?

(claro, e livros que não foram escritos por mãos humanas, interessa?)

manual prático de bons modos em livrarias: sim, tem freguês que JURA que temos uma segunda livraria no subsolo do mundo, com todos os livros fechadinhos ("ai, mas não tem um fechadinho?").  e freguês que pede pra abrir o único exemplar, mas quer levar fechado? hahaha, LINDOS VOCÊS. entendam: livro exposto é livro pra ser, sim, manuseado (com carinho) e vendido. por falar nisso, já compraram o livro do [manual] a preço de banana? e, não, ele não vai fechadinho, que fique bem claro.
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